segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O que é Distributismo?



Artigo original: The Distributist Review 

Livre tradução do Editor


Grande parte da história do Ocidente, desde meados do século XIX, foi a história de dois sistemas econômicos adversários. Desde o Manifesto do Partido Comunista, de 1848, que declarava que “um espectro ronda a Europa”, que de fato, anda um espectro não somente sobre a Europa, mas sobre o mundo inteiro. Não se trata apenas do espectro do comunismo, mas de sistemas econômicos e sociais rivais, que por várias vezes abalaram a humanidade. Mas nas mentes de muitos, esta rivalidade entre os sistemas econômicos chegou ao fim: o comunismo e o socialismo ambos foram derrotados, e, portanto, só resta ao capitalismo reinar triunfantemente em todo o mundo. No entanto, este não é o caso. Numa passagem negligenciada da Encíclica Centesimus Annus, João Paulo II realça que as escolhas da humanidade não estão limitadas ao capitalismo e ao comunismo,agora desacreditado. “É inaceitável a afirmação de que a derrocada do denominado «socialismo real» deixe o capitalismo como único modelo de organização econômica” (nº. 35). Sendo assim, os católicos deveriam conhecer o distributismo, um sistema econômico defendido por algumas das melhores mentes da Igreja, na primeira parte do século XX, homens como G. K. Chesterton, Hilaire Belloc, Padre Vincent McNabb e muitos outros. Vejamos o que é o distributismo e porque muitos católicos o consideram mais semelhante ao pensamento católico do que o capitalismo.

Em primeiro lugar, devemos estabelecer algumas definições dos principais termos que iremos utilizar, especialmente o de capitalismo. Muito frequentemente esta palavra não é definida, e cada pessoa lhe dá um significado, bom ou mau, conforme as suas próprias crenças, nunca a definindo claramente. Então, o que o capitalismo não é? O capitalismo não é a posse privada de propriedade, mesmo que se trate de propriedade produtiva, pois tal tipo de propriedade existe na maior parte do mundo desde tempos muito remotos, enquanto que o aparecimento do capitalismo é normalmente situado na Europa do final da Idade Média. Talvez a melhor maneira de proceder seja escolher a definição de uma autoridade, e depois analisaremos como é que se enquadra com os fatos históricos. Viraremos a nossa atenção para a Encíclica Quadragesimo Anno (1931), do Papa Pio XI, em que o capitalismo é definido, ou caracterizado, como sistema “em que ordinariamente uns contribuem com o capital, os outros com o trabalho para o comum exercício da economia”. Por outras palavras, no sistema capitalista normalmente trabalha-se para outra pessoa. Alguém, o capitalista, paga a outros, os trabalhadores, para que trabalhem para ele, e recebe os lucros do seu empreendimento, isto é, o que sobra depois de pagar o trabalho, as matérias-primas, custos administrativos, débitos etc.

Será que não há nada de errado com o capitalismo, com a separação entre propriedade e trabalho? Não há nada de errado em ter uma fábrica ou uma fazenda e empregar outros para trabalharem nelas, desde que lhes pague um salário justo. No entanto, o sistema capitalista é perigoso e imprudente, e seus frutos têm sido nocivos para a humanidade, e os Sumos Pontífices têm apelado a mudanças que, ou iriam eliminar o capitalismo, ou pelo menos reduzir seu alcance de poder.

Deixem-me explicar e justificar as afirmações que acabo de fazer. E para o fazer, preciso primeiro  realizar um breve desvio para discutir o propósito da atividade econômica. Por que Deus deu ao homem a necessidade e a possibilidade de criar e utilizar bens econômicos? A resposta é óbvia: precisamos desses bens e serviços, a fim de levarmos uma vida humana. Assim, a atividade econômica produz bens e serviços para o bem de servir toda a humanidade, e todos ordenamentos econômicos devem ser julgados pela sua capacidade de preencher este objetivo.

Quando a propriedade e o trabalho estão separados, necessariamente deve existir uma classe de homens, os capitalistas, que estão afastados do processo de produção. Os acionistas, por exemplo, comumente não se preocupam em saber o que a própria empresa, da qual eles são proprietários formais, faz ou produz, pois só lhes interessa saber se o preço das ações estão subindo, e quanto vão ganhar com isso. De fato, na bolsa de valores, as ações mudam de mãos milhares de vezes ao dia, ou seja, diferentes indivíduos ou entidades, tais como fundos de pensões, são proprietários de parte de empresas por alguns minutos, horas ou dias, e em seguida as ações são vendidas,  tornando-se donos de outra entidade qualquer. Naturalmente esta classe de capitalistas passa a encarar o sistema econômico como um mecanismo pelo qual dinheiro, ações, títulos e outros substitutos de riqueza real podem ser manipulados para enriquecimento pessoal, ao invés de servir a sociedade, produzindo bens e serviços. Em resultado disto, têm-se feito fortunas através de takeovers hostis, fusões, fechamento de fábricas etc., em outras palavras, aproveitam do direito a propriedade privada, não para se envolverem em atividades econômicas produtivas, mas para se enriquecerem independentemente dos efeitos sobre os consumidores e trabalhadores.

Os Papas realmente justificaram a posse de propriedade privada, mas se analisarmos os motivos e os argumentos do porquê, constataremos que a sua lógica está muito longe da capitalista. Examinemos, por exemplo, a famosa passagem da Encíclica Rerum Novarum (1891), do Papa Leão XIII.

“[Quem]trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação. Chega a pôr todo o seu amor numa terra que ele mesmo cultivou, que lhe promete a si e aos seus não só o estritamente necessário, mas ainda uma certa fartura.” (nº 28)

Mas, o que acontece sob o capitalismo? Os homens aprendem a amar os certificados das ações que lhes renderão dinheiro, em resultado do trabalho de outra pessoa? A justificação que os Papas sempre fizeram da propriedade privada está ligada, ao menos idealmente, à unidade entre a propriedade e o trabalho. Acrescenta Leão XIII: “Importa, pois, que as leis favoreçam o espírito de propriedade, o reanimem e desenvolvam, tanto quanto possível, entre as massas populares” (Rerum Novarum, nº 28), e este ensinamento é repetido por Pio XI na Quadragesimo Anno (nº 3 “REDENÇÃO DOS PROLETÁRIOS” e nº 4 “O JUSTO SALÁRIO”), por João XXIII em Mater et Magistra (números 85-89, 91-93, 111-115), e por João Paulo II em Laborem Exercens (nº. 14). Se “o espírito de propriedade entre as massas” conduzir a um maior nível de proprietários, então a separação fatal entre trabalho e propriedade será, se não eliminada, reduzida em poder de influência. Já não será a característica fundamental do nosso sistema econômico, mesmo que continue a existir.

Isso nos conduz diretamente ao distributismo. Porque distributismo nada mais é do que um sistema econômico em que a propriedade privada está bem distribuída, no qual o maior número possível é, de fato, proprietário. A melhor exposição sobre o distributismo pode, provavelmente, ser encontrada no livro de Hilaire Belloc, An Essay on the Restoration of Property (1936). Atente-se no título, “A Restauração da Propriedade”. Os distributistas argumentaram que no regime capitalista, a propriedade produtiva tornou-se prerrogativa apenas dos ricos, e que isto lhes deu um poder e influência sobre a sociedade muito maior do que aquilo a que tinham direito. E embora formalmente todos tenham o direito à propriedade privada, no capitalismo, na prática ela está restrita aos ricos.

Outra característica do distributismo, é que numa economia de propriedade distribuída, haverá limites sobre a acumulação de propriedade. Antes que nos acusem de que isto parece socialismo, devemos recordar o comentário de Chesterton (em “O Que Há de Errado Com o Mundo”, cap. 6), de que a instituição propriedade privada não significa o direito ilimitado à propriedade, tal como a instituição casamento não significa o direito ilimitado à esposas. 

Na Idade Média, as Corporações de Ofício, exemplo perfeito das instituições católicas, frequentemente limitavam a quantidade de propriedade que cada dono/trabalhador podia ter (por exemplo, limitando o número de empregados), precisamente no interesse de evitar que alguém expandisse demasiadamente o seu negócio, levando outros à falência. Porque, se a propriedade privada tem um objectivo, como Aristóteles e Santo Tomás insistiriam, é assegurar que cada homem e a sua família possam levar uma vida digna, servindo a sociedade. Mas uma vida digna, e não duas ou três. Se o meu negócio me permite sustentar a mim e minha família, então que direito tenho eu de expandi-lo, privando outros do meio de sustentarem a si e suas famílias? Pois os medievais viam àqueles que se dedicavam às mesmas atividades não como rivais, ou concorrentes, mas como irmãos, irmãos empenhados no importante trabalho de oferecer ao público bens e serviços necessários. E como irmãos uniam-se nas corporações, haviam padres para rezarem pelos seus mortos, fundos de segurança para amparar as viúvas e os órfãos, e de modo geral, olhavam pelo bem-estar uns dos outros. Quem é capaz de admitir que esta concepção de sistema econômico não é mais conforme à Fé Católica do que a ética selvagem do capitalismo?

Percebo que muito do que digo aqui soe estranho a muitos leitores. A maioria dos americanos estão familiarizados apenas com o capitalismo e o socialismo. Mas um pouco de conhecimento sobre a história econômica Católica, e o pensamento econômico tradicional da Igreja, serão suficiente para convencer qualquer leitor sensato que há, para além da dicotomia moderna capitalismo-socialismo, um genuíno pensamento Católico quase desconhecido nos Estados Unidos. E se a atual "ciência" da economia contradiz esse pensamento, então pergunte a si mesmo: que autoridade essa "ciência" tem? Ela surgiu a partir da filosofia deísta dos autoproclamados Iluministas do século XVIII, o que torna curioso que alguns católicos, enquanto condenam (com razão) a filosofia desse século infeliz, abraçam entusiasmadamente suas teorias econômicas, não percebendo que essas teorias surgem a partir do mesm veneno destilado por Voltaire e os Enciclopedistas. Mas não é tarde demais para refazer o nosso pensamento, de acordo com o modelo de Jesus Cristo e de sua Igreja – se estamos dispostos a banir de nossas vidas os ídolos que são adorados em nosso próprio país e embarcar na viagem fascinante de descoberta do pensamente econômico Católico. 


Thomas Storck 

O articulista é autor de “Foundations of a Catholic Political Order” e “The Catholic Milieu”. E também membro do conselho editorial de “The Chesterton Review”.



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