Artigo original: Revista Vila Nova
Guilherme Freire
“Nossa sociedade é tão anormal que
o homem normal nunca sonha em ter a ocupação normal de cuidar se
sua própria propriedade. Quando ele escolhe um negócio, ele escolhe
um, entre milhares de negócios, que envolve cuidar da propriedade
dos outros.” G.K. Chesterton
Inspirado pela encíclica do Papa Leão
XIII, Rerum Novarum, o filósofo e jornalista inglês Gilbert Keith
Chesterton divulgou e ajudou a criar uma forma de pensar a economia
baseada na Doutrina Social da Igreja Católica. O estudo foi feito na
esperança de recolocar a família e as pequenas propriedades no
centro da organização econômica da sociedade. Essa escola de
pensamento foi chamada de distributivismo (ou distributismo).
O distributivismo não pode ser
confundido com a estatização dos meios de produção, ou sua
redistribuição forçada pelo Estado, que seria socialismo. Trata-se
da distribuição natural da riqueza que se dá quando a produção
já se encontra descentralizada. A idéia é priorizar empresas
familiares de qualquer espécie, ou firmas cuja propriedade é
dividida entre os empregados (como cooperativas), ou ainda pequena
empresas e empresas de médio porte com atuação local. Também
pequenas iniciativas privadas e trabalhos independentes, em geral,
correspondem a essa descentralização da economia.
Essa defesa das pequenas propriedades,
na perspectiva distributivista, não se dá por meio da força ou da
coação. Na encíclica Rerum Novarum, Leão XIII diz que os
socialistas, na medida em que violam o direito de propriedade, e usam
a força para promover igualdades, criam uma elite mais poderosa que
a elite anterior. Juntando o poder econômico com o poder político,
a nova elite concentra ainda mais a propriedade. Chesterton completa
dizendo que “Nenhuma sociedade pode sobreviver da falácia
socialista de que existe um número absolutamente ilimitado de
autoridades inspiradas e uma quantidade absolutamente ilimitada de
dinheiro para pagá-las”.
A descentralização também não se dá
por meio de um liberalismo fora de perspectiva. Se o único valor do
indivíduo for a vitória do mundo capitalista – jogando a caridade
no lixo –, esse mesmo indivíduo pode perfeitamente usar essa
vitória, não para prestar serviços e fornecer bens dos quais as
pessoas precisam, mas para colocar em uma péssima situação seus
trabalhadores, ou para destruir o próprio sistema capitalista. É o
que acontece quando, por exemplo, George Soros financia partidos e
causas socialistas (Soros e os Rockefellers são a personificação
viva da frase “Capitalismo demais não significa capitalistas
demais, mas capitalistas de menos”).
Autor de um grande livro sobre São
Tomás de Aquino (capaz de arrancar elogios imensos de Étienne
Gilson), Chesterton tirou muitas coisas da obra do Doutor Angélico,
inclusive as bases teóricas para desenvolver uma visão da economia
que nem caísse na usura, e nem no autoritarismo. Essa influência
foi ressaltada no Brasil por Gustavo Corção, autor do clássico
“Três alqueires e uma vaca”.
Foi de certa forma, por influência de
São Tomás, que toda essa escola de pensamento ligada à Doutrina
Social da Igreja conseguiu ser refinada intelectualmente. De Tomás
veio a idéia segundo a qual não se deve buscar justiça por meio da
violência ou do isolamento, mas sim de maneira prudente e caridosa
ou, por outra, buscar que cada indivíduo tenha seus meios de
autossuficiência e sua propriedade, evitando a criação de uma
classe de dependentes.
Tendo propriedade o indivíduo obtém
uma liberdade que não tinha. Já dizia Chesterton que ao dar dez
libras a um indivíduo você não lhe tirou uma liberdade, você lhe
deu a liberdade de fazer o que bem entender com essas dez libras.
É claro, como escola de pensamento
econômico, o distributivismo só faz sentido à luz de uma visão de
mundo abrangente, personalista e atenta às comunidades. Curiosamente
a palavra economia originalmente remontava a idéia de administração
doméstica, e não a essa obsessão por macroeconomia que vemos hoje.
Entre outras coisas, o distributivismo
acaba sendo uma grande apologia da iniciativa privada, pois espera
aumentar o número de possuidores de propriedade privada, estimulando
os indivíduos e as famílias a adquirir ou criar seus próprios
meios de produção, em vez de depender de salários. Essa é a idéia
por trás dos “três alqueires e uma vaca” e não um programa
assistencialista estatal. Em outras palavras, é melhor ajudar e
incentivar que todos a tenham e cuidem de uma vaca do que criar um
programa “bolsa dos sem-vaca”. Claro, as vacas e os alqueires dos
dias de hoje muitas vezes são pequenas empresas, lojas ou
apartamentos.
Justamente por buscar restabelecer a
vida microeconômica – o comércio local –, o distributivismo é
um movimento que acaba aparecendo em oposição ao que pode haver de
nocivo no globalismo.
Embora a globalização tenha seus
postos positivos (ideologia que visa fortalecer administrações
internacionais), ela pode tornar perigosamente frágeis as políticas
locais, comprometendo a possibilidade de contato da vida pública com
o cidadão comum. Muitas empresas hoje são dependentes ou estão
envolvidas de maneira suspeita com governos e organismos
internacionais, impossibilitando o que poderia ser uma verdadeira
livre iniciativa.
Qualquer pessoa que pense que “livre
iniciativa” quer dizer fábricas no Vietnã ou legiões de chineses
pagos com salários irrisórios, trabalhando em benefício de
acionistas de Wall Street, ou de capitalistas do Partido Comunista
Chinês, estará errando feio. Algo muito errado está acontecendo,
quando muitos estão sem emprego e alguns poucos repousam sobre uma
carteira de ações bilionárias, construída em grande parte com
trabalho quase escravo, sustentando uma ditadura na Ásia e ONGs
gigantes que trabalham para suprimir a liberdade individual no
ocidente.
No entanto, é compreensível que a
clássica objeção levantada contra essa distribuição de
propriedade seja a existência de atividades que aparentemente
demandam grandes organizações. Por exemplo, empresas de automóveis
ou de aviões, para as quais são necessárias fábricas grandes.
Ocorre que nenhumas dessas atividades necessitam de um monopólio (do
ponto de vista da economia liberal isso é indesejável, por sinal),
e nada exclui a possibilidade de serem montadas cooperativas.
Um exemplo de cooperativa hoje se
encontra no país Basco, na pequena cidade de Mondragón, onde o
padre José María Arizmendiarrieta fundou diversas cooperativas. Os
funcionários têm interesse em produzir mais, e ainda mais interesse
no lucro da empresa, porque são eles, de certa forma, os próprios
donos. Essas cooperativas já prosperaram tanto, que hoje a
corporação de Mondragón forma um dos maiores complexos industriais
da Espanha.
Além disso, os funcionários não
vivem sobre constante ameaça de demissão, e nem têm interesse em
conflitos com sucessivas greves. Eles voluntariamente assumem as
posições de direção na cooperativa, sem precisar receber
remunerações adicionais. De certa forma, Mondragón seguiu o que
Chesterton disse: “Fazer o locatário e o locador a mesma pessoa
tem certas vantagens, tal como o locatário não pagar o aluguel e o
locador não trabalhar muito.”. Isso reduz os problemas que podemos
ter com as associações sindicais de hoje, como as brigas entre
sindicatos, ou dos patrões com os empregados.
O distributivismo pressupõe a
liberdade econômica dos liberais, e a adesão a princípios e
valores atemporais dos conservadores. Para esse tipo de reforma não
é suficiente a ausência de um governo excessivo, mas também deve
estar presente o espírito da caridade.
Nada resume tão bem isso quanto à
história do economista E.F Schumacher, autor de Small is Beautiful.
Ele se converteu ao catolicismo após ler uma Encíclica diferente do
que geralmente se espera, a Humanae Vitae, de Paulo VI. Diz ele que
essa é a encíclica da Igreja que protege os pequenos, que defende
aqueles que ainda não podem se defender. De todas as reformas que
podem ajudar a economia, a mais urgente, creio que os maiores
distributivistas concordariam, é a dos espíritos.
Caro Guilherme Freire.
ResponderExcluirA teoria de Chesterton onde o indivíduo "...tendo propriedade obtém uma liberdade que não tinha", se coloca no centro da questão da justiça social. Contudo, como fazer com que todo adulto tenha propriedade ou seja capital? Para isto sugiro que conheçam a teoria socioeconômica chamada EQUIBASISMO. O mais recente livro sobre o tema chama-se O EQUIBASISMO Cria Riqueza e Elimina Miséria.